Desfechos gestacionais e perinatais dos casos de síndrome de zika congênita acompanhados em um serviço de referência do nordeste do Brasil

Abstract

Introdução: no Brasil, foi vivenciado um rápido processo de dispersão de dois novos arbovírus para as Américas: o vírus Chikungunya, introduzido em julho/agosto de 2014, e o Zika vírus (ZIKV), possivelmente introduzido no mesmo período durante a Copa do Mundo Brasil 2014. Na Paraíba, o aumento dos casos de microcefalia reportados no final do mês de outubro do 2015, despertou o interesse pelas pesquisas sobre o vírus, suas manifestações clínicas, a relação com outras doenças semelhantes e os desfechos materno-fetais decorrentes da infecção por ZIKV. Objetivo: descrever os desfechos gestacionais e perinatais em casos de Síndrome Congênita de Zika (SCZ). Métodos: estudo de coorte prospectivo e retrospectivo envolvendo 102 pares de mães e fetos/crianças com SCZ. Foi realizada pesquisa do Zika em líquido amniótico, urina e/ou sangue materno, sangue do cordão e fragmento de placenta do recém-nascido (RN), além de exames de neuroimagem. Foi realizada a análise descritiva das variáveis, o teste qui-quadrado foi utilizado para comparar a presença de sintomas entre o braço prospectivo e o retrospectivo e o teste de Mann-Whitney foi usado para comparar o número de ultrassonografias obstétricas realizadas quando o diagnóstico intrauterino foi ou não realizado. Resultados: a maioria das gestantes tinha baixa condição socioeconômica e cerca de 82% eram atendidas no serviço público de saúde. Quase todas conheciam o Zika antes de engravidar e tinham criadouros do mosquito nos arredores da residência, com contato com mosquito e a maioria tinha exantema presente no primeiro trimestre (68,5%). O diagnóstico intrauterino foi realizado em 52,9% e amniocentese foi realizada em 19 gestantes. A RT-PCR foi positiva 57,9% dos casos em que foi realizada amniocentese. O diagnóstico materno de Zika foi presumido em 59,8% dos casos. O diagnóstico intrauterino através da ultrassonografia obstétrica foi realizado 57,2% das mulheres. O principal achado ultrassonográfico durante a gestação foi a ventriculomegalia, seguido por microcefalia, calcificações subcorticais e/ou em núcleos da base, alterações de fossa posterior, artrogripose e disgenesia de corpo caloso. A infecção urinária foi a morbidade mais observada na gestação, seguida da anemia e hipertensão. Parto vaginal foi a via de nascimento mais frequente com 53,9% das mulheres. Todos os bebês nasceram vivos, a mediana de idade gestacional ao nascer foi 39 semanas, porém houve 15,7% de prematuridade. A média do perímetro cefálico foi de 30,02,3 cm, com 66% dos casos sendo classificados como microcefalia e artrogripose foi observada em 10 casos (9,8%). Complicações neonatais foram encontradas em 28,4% dos casos, sendo o desconforto respiratório observado em 23,3%, com 3,9% dos casos necessitando de manobras de ressuscitação e 15,7% de internação em unidade de terapia intensiva (UTI). Houve nove óbitos neonatais (8,8%). Conclusão: caracteriza-se uma coorte de gestantes de baixa renda, atendida pelo sistema público de saúde, em que o diagnóstico de SCZ foi na maior parte dos casos presumido pelos achados ultrassonográficos. A frequência de prematuridade e de complicações neonatais foi elevada. Apesar de apresentar uma frequência alta, a microcefalia não esteve presente em todos os casos de SCZ, devendo o diagnóstico da síndrome levar em consideração os achados intracranianos. A mortalidade neonatal foi elevada, quase 10%.